Como Escrever Sobre: Os Cinco Elementos da Ficção

Artistas plásticos  trabalham com telas, tintas, argila, mármore… Escritores de ficção têm como matéria prima os Cinco Elementos.

Mas antes de prosseguirmos, temos que explicar: alguns dirão que a ficção não consta de cinco, mas três, ás vezes quatro, elementos. Isso acontece porque, ao contrário dos artistas plásticos, que tem matérias primas concretas, os escritores lidam com coisas abstratas. Ao longo do meu estudo sobre as metodologias da escrita, conclui que o modelo mais completo e eficiente é o de cinco elementos, e por isso é a partir dele que essa, e as próximas colunas, irão trabalhar.

Todos esses elementos vão ser, posteriormente, melhor trabalhados aqui na coluna. Hoje, vou apenas passar uma visão geral sobre eles.

Quando vamos contar uma história, temos que nos preocupar com os Quem, os O Quês, os Quandos e Ondes e com os Comos.

 

Quem?

Os personagens são essenciais em qualquer história. A maneira clássica de organizá-los é dividindo Protagonistas, Coadjuvantes, Terciários e Antagonistas. Entretanto, em tempos modernos, muitos autores tem dado um frescor maior a esse elemento simplesmente ao quebrar essas barreiras. Um exemplo é George R. R. Martin, que faz uso de dezenas de personagens que podem ser classificados como protagonistas, mas que, ao aparecer em capítulos voltados a outros personagens, passam ao papel de coadjuvante ou antagonista.

Existe uma preocupação latente com os personagens, e eles costumam ser o foco de muitos autores. Há quem diga que uma história que falhe em todos os outros elementos pode ser bem sucedida se conseguir fazer o leitor se importar com seus personagens.  Embora essa afirmação seja um tanto exagerada, ela está certa no ponto de que a integração do público com os personagens é um elemento essencial para a ficção.

Esse enfoque tão grande nos personagens acabou gerando um grande número de técnicas voltadas a eles. Entretanto, o personagem, por si só, é de pouca serventia se os outros elementos não o desenvolverem. Assim, o tratamento básico que se deve dar a qualquer personagem é o da evolução. Todos nós mudamos o tempo todo, e portanto os personagens precisam mudar também, na mesma velocidade. Isso só pode ser deixado de lado caso haja uma excelente desculpa.

O Quê?

A Trama é a linha condutora da história. Ela é a movimentação ao longo da história em si, e por isso um elemento de suma importância. Caso todos os demais elementos sejam excelentes, mas a trama seja fraca, o leitor fechará sua história ou livro num ponto inicial.

A principal ferramenta que pode ser utilizada para facilitar a criação da trama é chamada de Curva Dramática. Entretanto, a própria curva não é tão simples assim, e existem diversos modelos que podem ser utilizados para tentar dominá-la. Pouco a pouco, apresentarei esses modelos.

Além da Curva, outro ponto importante da Trama é sua integração com os personagens. Se o personagem (ou os personagens) apresentados forem de pouca importância para trama, agindo de maneira passiva e apenas sendo levados por ela, isso provavelmente se tornará algo monótono. Um exemplo do caso é a protagonista Bella, de Crepúsculo, que ao longo de sua história muito pouco faz para mudar o curso das ações.

Portanto, o principal ponto ao se lidar com a trama é não esquecer de permitir aos personagens influenciá-la, e vice-versa.

Quando e Onde?

O Cenário, em vários gêneros, é importantíssimo para o sucesso de uma história. O grande clássico da fantasia, O Senhor dos Anéis, tinha seu cenário como o foco principal, e diversas outras obras foram influenciadas. O que dizer de Harry Potter, um grande sucesso comercial e que  formou toda uma geração de leitores, que se passa num universo tão fantástico que faz o público desejar do fundo do coração estar lá?

Verdade seja dita: não é preciso um grande cenário para se contar uma grande história. Entretanto a utilização de um cenário rico facilita imensamente o trabalho do autor com os outros elementos. Ele lhe dá perspectiva de explicar como determinado personagem adquiriu aquelas habilidades, ou o que fez o protagonista se tornar uma pessoa tão turrona. Inúmeras explicações podem ser dadas a partir do cenário.

Além disso, o cenário tem o poder de cativar o público. Quase todas as histórias de ficção que se tornam grandes franquias o devem a seu grande cenário, que faz o leitor sentir o desejo de fazer parte dele e, eventualmente, se integrar a ele a partir da imaginação. Conheço muitas pessoas que desejariam ter recebido uma carta de Hogwarts ao 11 anos, ou que gostariam de passar uma temporada de férias em Nárnia.

Existe claro, a maneira oposto de tratar o cenário. Talvez ele seja um lugar detestável, horripilante. Uma terra sem piedade. Esse tipo de locação tenebrosa e indesejada costuma fazer com que os leitores se sintam ligados aos personagens pelo sentimento de piedade.

Portanto, o Cenário é um elemento de apoio, criando espaço e servindo de base para os demais. O que não quer dizer que ele não tenha sua importância.

Como?

O Estilo Literário é o conjunto de escolhas que o autor faz para a realização de sua obra. Todas elas.

Por exemplo. Quando você começar a escrever sua história, vai começar a pensar por qual dos elementos? Como vai tratar os personagens? Qual será o cenário? Que técnicas você usará?

A quantidade de perguntas é infindável, e o conjunto de todas as respostas forma o estilo literário do autor. É também pelo estilo literário que estamos acostumados a dividir os gêneros. Sua história vai se passar em outro mundo? Fantasia épica. A ciência é um fator importante? Ficção Científica. Você pretende chocar e amedrontar? Horror.

Não há muitas dicas simples sobre o estilo literário, exceto que, justamente por sua natureza de ser o planejamento da sua história, ele não é algo que se planeja. Um estilo literário não é aprendido, e sim cultivado a partir de seus gostos. É esse elemento que representa seu toque pessoal no texto. Então a dica é essa: escreva. Só assim você vai descobrir o que te agrada na escrita e poderá dominar de verdade esse elemento.

O quinto elemento

A Temática é um elemento que não vêm de nenhuma pergunta básica e talvez por isso seja o grande ponto de divergência entre as classificações de elementos da ficção. Muitos alegam que a temática não é um elemento em si, mas uma consequência dos elementos. E isso está correto.

Mas calma. Antes de discutir se a temática é ou não um elemento, vamos definir o que ela é de fato. Trata-se do clima e da mensagem a serem passados. Invariavelmente, sua história terá uma “moral”, algo que você quis passar com a sua história. Se seu protagonista bom moço morrer no final da trama, as pessoas podem entender, por exemplo, que a moral da sua história é “pessoas legais se dão mal”.

Talvez você discorde, alegando que é possível escrever uma história sem um planejamento de uma moral. Sim, é possível, mas invariavelmente os leitores encontrarão uma lá por conta própria. É bem melhor para você, como autor, planejar uma temática.  Isso, inclusive, facilitará imensamente seu trabalho com relação a trama, ao cenário e aos personagens.

Mas não confunda a moral aqui apresentada com a moral das fábulas e das lições que sua mãe lhe passava. Moral, aqui, representa um questionamento que você queira levantar. Talvez sua história sobre um jovem ferreiro que se torna um grande cavaleiro seja sobre superação. Talvez você escreva sobre um anti-herói xenófobo que cai em um planeta e é salvo por uma população de aliens para poder questionar o preconceito. Talvez você simplesmente escreva a história de um velho que se apaixona por uma garota 40 anos mais nova e tem que lidar com isso. Tudo isso caracteriza uma temática, e resultará em diferentes interpretações morais por parte dos leitores.

Muitas histórias, entretanto, têm excelentes temáticas, mas que por falta de “pistas” sobre ela acabam recebendo críticas negativas. Um exemplo é o filme Sinais, de M. Night Shyamalan e protagonizado por Mel Gibson. Devido a um cenário com aliens invadindo a terra, normalmente associado com a temática do sentimento de medo e invasão, o filme foi imediatamente tratado dessa maneira pelo público. Entretanto, o filme funciona muito melhor quando se nota sua real temática: a fé.

Nos livros, e principalmente nas sagas, o espaço para se contar a história é muito maior, o que resulta na possibilidade de se escolher diversas temáticas. Entretanto, é preciso compreender que uma delas sempre irá se sobressair. Novamente exemplificando pela série Crônicas de Fogo e Gelo: Diversos temas desfilam pela série, como pais que tratam filhos de maneira diferente, intrigas políticas, segredos, mistérios e fantasia. Mas o tema que parece estar presente em todos os cantos é o fato de que nenhum de nós está sozinho no mundo, e que as atitudes de alguém sempre irão influenciar o mundo para as outras. Nada passa impune.

É claro que essa minha visão temática sobre a série supracitada pode ser contestada. E é isso que faz essa história ganhar tanto destaque. Todas as grandes séries têm debates de temática. Sobre o que se tratava Senhor dos Anéis? Qual era a moral de Harry Potter? O que significou o final da série Lost? Esses debates são o que criarão o legado da sua história ao longo do tempo.

Uma breve conclusão

Não é possível, em apenas uma coluna, falar tudo que se pode ser dito sobre os cinco elementos. Livros já foram escritos sobre o assunto, e nenhum deles está realmente completo. Nem mesmo é possível, em menos de 100 páginas, debater se os elementos são cinco, quatro ou três!

Por isso, encerro essa coluna por aqui, deixando apenas essa visão parcial sobre a matéria prima. Entretanto, vamos continuar batendo nestas teclas, discutindo cada elemento em separado, e também os próprios componentes dos elementos. É assunto para anos e mais anos de coluna.

Espero, entretanto, que apenas por ter contrastado esses elementos para vocês, já seja possível um melhor planejamento de suas histórias. Agora você pode refletir a partir de qual ponto começará a delinear o que tem para contar.

Rafael Marx

Editor-Chefe da Pulp Feeek

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